sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Apresentação

Mês de setembro, mês da Bíblia. Não dá para falar de São Francisco de Assis sem associá-lo à Palavra de Deus. A Igreja deu a ele o título merecido de "Homo Totus Evangelicus" e Frei Hugo Baggio escreve: "Ele soube verdadeiramente sentir a Palavra, não como um conjunto de símbolos ou uma transcrição escrita de uma fala de Jesus, mas como um ser vivo, palpitante, que podia ser tocado e cujo toque provocava calafrios e cujo som como que enchia os ares. Tocar no livro que continha a Palavra de Deus era como tocar no próprio Cristo".

Frei Hugo lembra ainda que a relação Evangelho-Francisco, por todos os autores de seu tempo aos nossos dias, foi percebida como uma verdadeira revolução. "Se de um lado causa admiração como o Evangelho estava marginalizado pela Igreja, melhor dito, pelos homens da Igreja, do outro lado, causa admiração como Francisco, numa simplicidade comovente, faz com que o Evangelho volte ao centro da vida cristã e faça com que a mensagem de Cristo se transforme em vida".

Neste Especial, oferecemos alguns textos que mostram como o Evangelho pautou a vida de Francisco e serviu para fundamentar a Regra da Ordem dos Frades Menores. Como diz Elói Leclerc, no livro "Francisco de Assis, o Retorno do Evangelho", o que dá à experiência evangélica franciscana sua verdadeira dimensão e seu poder de sedução é, precisamente, esse encontro entre o Evangelho e as aspirações profundas do homem, entre a mensagem de Jesus e as forças criativas da história". Para complementar, textos da Bíblia Sagrada, da Editora Vozes, são didáticos e ajudam a entender melhor o Livro dos Livros. 

Francisco, Homo totus Evangelicus
Francisco entrou na intimidade do Evangelho e percebeu-o puro e sem retoques. Por isso, a Igreja o chamará de Homo totus Evangelicus, quer dizer, que "se evangelizou" na totalidade do ser e na radicalidade das exigências. E mostrou, ao mesmo tempo, que o Evangelho, no seu todo, é algo possível de ser traduzido em vida. O próprio Papa, Inocêndo III, observara que a norma de vida da primitiva comunidade era por demais árdua para compor um programa de vida, mas a tempo foi advertido que não poderia declará-la impossível, pois declararia impossível o Evangelho de Cristo.
Para Francisco a afirmação do Papa significava a impossibilidade de seguir os passos de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois vinham eles retraçados, concretamente, nas páginas do Evangelho. Esta concreteza com que percebia o Evangelho fazia com que Francisco a ele recorresse com a simplicidade e a confiança de quem recorre a um "diretor espiritual".
Com naturalidade, colocava os livros dos Evangelhos à sua frente e os abria, a esmo, encontrando exatamente a Palavra que lhe servia de resposta. Não argumentava, não discutia, não duvidava. Deus acabara de lhe falar. E feliz partia para executar as ordens que acabara de ler.
Assim fala Celano, na vida I (n° 92-93): que abrindo o Evangelho, pôs-se de joelhos e pediu a Deus que lhe revelasse qual a sua vontade. "Levantando-se, fez o sinal da cruz, tomou o livro do altar e o abriu com reverência e temor. A primeira coisa que deparou, ao abrir o livro, foi a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, no ponto em que anunciava as tribulações por que haveria de passar. Mas, para que ninguém pudesse suspeitar de que isso tivesse acontecido por acaso, abriu o livro mais duas vezes e o resultado foi o mesmo. Compreendeu, então, aquele homem cheio do espírito de Deus, que deveria entrar no reino de Deus depois de passar por muitas tribulações, muitas angústias e muitas lutas..."

O profeta e o seu Evangelho
Por N.G.Van Doornik
Francisco teve com o Evangelho uma intimidade difícil de se compreender. Amava o Evangelho, mas ele não teria sido Francisco, se seu amor não tivesse desejado possuir o próprio livro.
A magnífica Bíblia da Idade Média, com os maravilhosos textos desenhados em elegantes letras, tinha para ele algo de sagrado. Já foi, de per si, um rito religioso, quando ele, com seus dois companheiros, entrou na pequena igreja de São Nicolau e lá abriu o livro sobre o altar. Manifesta-se aqui uma forma de respeito que, em nosso tempo, impregnado de obras tipográficas, se tomou impossível: o respeito pela palavra manuscrita.
Com isso, adquirem um sentido mais profundo certas ações aparentemente mágicas. Nas cartas que ditava, não permitia Francisco que se riscasse uma letra, mesmo que fosse um erro de ortografia. Recolhia com o mesmo respeito qualquer pedacinho de pergaminho que encontrava no chão.
Perguntaram-lhe, certa vez, por que tinha tanto cuidado até mesmo com obras de autores pagãos. A resposta tem um quê de surpreendente: "Porque nelas se encontram as letras que compõem o glorioso nome do Senhor". Por umas cinco vezes insiste ele, em suas cartas, em que se devem guardar respeitosamente as palavras do Evangelho, onde quer que sejam encontradas.
Francisco sentia o alcance psicológico desse simbolismo. "Devemos cuidar de tudo que encerra Sua Palavra sagrada. Assim ficamos profundamente compenetrados da sublimidade do nosso Criador e de nossa dependência em relação a Ele", escreverá mais tarde ao Capítulo de seus irmãos.
A verdadeira dificuldade de se compreender como Francisco lia a Bíblia, não se encontra na cultura medieval. O que é difícil compreender é o fato raro de a Bíblia ser lida aqui por um homem que era como ela o desejava. Ele não tinha necessidade dum comentário que a suavizasse. Com heróica abertura, Francisco aceitava o texto ao pé da letra, pois este já de há muito o havia empolgado. Talvez tenha ele, alguma vez, explicado a Bíblia de uma maneira por demais rigorosa - nunca, porém, branda demais.
Devemos perguntar se a concepção de Francisco a respeito da Bíblia ainda vale para nós. Em cada mudança religiosa na história, encontra-se o homem diante da pergunta: que é propriamente autêntico na Bíblia e que é que se conseguiu descobrir com o correr do tempo?
E em cada período são sempre os grandes cristãos que, da forma mais pura, reconhecem a autenticidade. Não se requer uma visão genial para se descobrir o que corrigir num texto ou apontar alguns cantos carcomidos numa estrutura eclesiástica antiquada.
Quando se trata, porém, de valores eternos, é absolutamente necessária uma visão de fé. Não é tão estranho que um homem como Francisco, que se afastara, por assim dizer, da própria cultura para viver o Evangelho até às últimas consequências - que este Francisco tenha descoberto algo que sobrepuja qualquer cultura.
As grandes personalidades não estão à frente de seu tempo, estão acima dele.

São Francisco, o "repetitor Christi"
Por Leonardo Boff
O fascínio e o mistério da figura de S. Francisco reside em sua semelhança com o mistério e o fascínio de Jesus Cristo. Há tanto num quanto noutro algo de profundamente simples, transparente, nascivo, originário e convincente. Ambos constituem uma grande interrogação para todo homem verdadeiramente religioso. Ninguém pode subtrair-se ao Numinoso e Divino que se desprende de suas vidas. Evidentemente, para um cristão por maiores que sejam as semelhanças entre S. Francisco e Jesus Cristo nunca chegarão a esconder as infinitas diferenças que vigoram entre eles. Um é o Filho Unigênito e Eterno do Pai e o outro é, na expressão de S. Boaventura, um humilde repetidor de Jesus. '

Um constitui a realidade-fonte, outro a realidade-reflexo. São Francisco jamais quis seguir um caminho pessoal. Nunca buscou uma experiência nova. Propôs-se com todo empenho a imitar e a "seguir a doutrina e as pegadas de Cristo" ', o "totus Christus crucifixus et configuratus".' Nele há "uma deliberada renúncia a toda originalidade". * Jamais antes e depois de S. Francisco assistimos no Ocidente a um tão apaixonado amor a Cristo a ponto de tentar imitá-lo nos mínimos pormenores, na letra e no espírito. Queria venerar e reproduzir todos os aspectos da vida e do mistério de Cristo, não apenas os humanos, como se sói repetir.' Jamais alguém dentro do Cristianismo logrou assimilar Jesus Cristo em sua vida como S. Francisco a ponto de trazer no corpo os sinais da Paixão e na alma as arras do Reino de Deus. Com acerto resume S. Boaventura o sentido do impulso de S. Francisco: "saciava toda a alma no seu Cristo e se entregava todo, de corpo e de alma, somente a ele".

O Evangelho como ponto de partida
Por Frei Atílio Abati
Francisco parte do Evangelho, para reconstruir a vida, e parte da vida, para confrontar-se com o Evangelho. Esta opção e escolha não seria apenas viver o Evangelho, acolhê-lo em sua vida, mas também anunciá-lo ao seus irmãos.
Novamente, em seu Testamento, Francisco escreve: "E depois que o Senhor me deu irmãos, o Senhor mesmo me revelou que eu devia viver segundo a forma do Santo Evangelho" (Test 4,14).
Francisco tinha clareza quanto à sua missão: o primeiro movimento é acolher a palavra de Deus, embeber-se dela, aprofundá-la na vida, confrontar-se com ela, para ser luz no caminhar e vigor no viver. E depois, levá-la e transmiti-la ao povo de Deus.
E assim, seu dinamismo missionário impele-o a ir ao encontro de todos os homens. Diante do envio e da missão, ele sente a paixão que tem pelo anúncio da Boa Nova.
Ele sente a vocação missionária a que Deus o chamou e sente-se feliz e realizado em ser o bom samaritano a difundir esta mensagem, não só aos leprosos, mas à humanidade toda.

A mensagem central da Bíblia
Qual é, em poucas palavras, a mensagem central da Bíblia? A resposta não é fácil, pois depende da vivência. Se você gosta de uma pessoa e alguém lhe pergunta: "Qual é, em poucas palavras, a mensagem desta pessoa para você?", aí não é fácil responder. O resumo da pessoa amada é o seu nome! Basta você ouvir, lembrar ou pronunciar o nome, e este lhe traz à memória tudo o que a pessoa amada significa para você. Não é assim?

Pois bem, o resumo da Bíblia, a sua mensagem central, é o Nome de Deus! O Nome de Deus é Javé, cujo sentido Ele mesmo revelou e explicou ao povo (cf. Ex 3,14). Javé significa Emanuel, isto é, Deus conosco. Deus presente no meio do seu povo para libertá-lo. Deus quer ser Javé para nós, quer ser presença libertadora no meio de nós! E Ele deu provas bem concretas de que esta é a sua vontade. A primeira prova foi a libertação do Egito.
A última prova está sendo, até hoje, a ressurreição de Jesus, chamado Emanuel (cf. Mt 1,23). Pela ressurreição de Jesus, Deus venceu as forças da morte e abriu para nós o caminho da vida. Por tudo isso é difícil resumir em poucas palavras aquilo que o Nome de Deus evocava na mente, no coração e na memória do povo por Ele libertado.
Só mesmo o povo que vive e celebra a presença libertadora de Deus no seu meio, pode avaliá-lo. Na nossa Bíblia, o Nome Javé foi traduzido por Senhor. É a palavra que mais ocorre na Bíblia. Milhares de vezes! Pois o próprio Deus falou: "Este é o meu Nome para sempre! Sob este Nome quero ser invocado, de geração em geração!" (Ex 3,15).
Faz um bem tão grande você ouvir, lembrar ou pronunciar o nome da pessoa amada. Aquilo ajuda tanto na vida! Dá força e coragem, consola e orienta, corrige e confirma. Um Nome assim não pode ser usado em vão! Seria uma blasfêmia usar o Nome de Deus para justificar a opressão do povo, pois Javé significa Deus libertador!
O Nome Javé é o centro de tudo. Tantas vezes Deus o afirma: "Eu quero ser Javé para vocês, e vocês devem ser o meu povo!" Ser o povo de Javé significa: ser um povo onde não há opressão como no Egito; onde o irmão não explora o irmão; onde reinam a justiça, o direito, a verdade e a lei dos dez mandamentos; onde o amor a Deus é igual ao amor ao próximo.
Esta é a mensagem central da Bíblia; é o apelo que o Nome de Deus faz a todos aqueles que querem pertencer ao seu povo.

O adubo que fez crescer a semente da Bíblia
Não é qualquer chão que serve para que uma árvore possa crescer. O canteiro, onde a semente da Bíblia criou raízes e de onde lançou os seus 73 galhos em todos os setores da vida, foi a celebração do povo oprimido, ansioso de se libertar.

A maior parte da Bíblia começou a ser decorada para poder ser usada nas celebrações, e foi escrita ou colecionada por sacerdotes e levitas, os responsáveis pela celebração do povo. Além disso, as romarias e as peregrinações, os santuários com as suas procissões, as festas e as grandes celebrações da aliança, o templo e as casas de oração (sinagogas), os sacrifícios e os ritos, os salmos e os cânticos, a catequese em família e o culto semanal, a oração e a vivência da fé, tudo isso marca a Bíblia, do começo ao fim!
O coração da Bíblia é o culto do povo! Mas não qualquer culto. É o culto ligado à vida do povo, onde este se reunia para ouvir a palavra de Deus e cantar as suas maravilhas; onde ele tomava consciência da opressão em que vivia ou que ele mesmo impunha aos irmãos; onde ele fazia penitência, mudava de mentalidade e renovava o seu compromisso de viver como um povo irmão; onde reabastecia a sua fé e alimentava a sua esperança; onde celebrava as suas vitórias e agradecia a Deus pelo dom da vida.
É também no culto que deve estar o coração da interpretação da Bíblia. Sem este ambiente de fé e de oração e sem esta onsciência bem viva da opressão que existe no mundo, não é possível agarrar a raiz de onde brotou a Bíblia, nem é possível descobrir a sua mensagem central.


A Bíblia foi escrita em três línguas
A Bíblia não foi escrita numa única língua, mas em três línguas diferentes. A maior parte do Antigo Testamento foi escrita em hebraico. Era a língua que se falava na Palestina antes do cativeiro. Depois do cativeiro, o povo de lá começou a falar o aramaico.

Mas a Bíblia continuou a ser escrita, copiada e lida em hebraico. Para que o povo pudesse ter acesso à Bíblia, foram criadas escolinhas em toda a parte. Jesus deve ter frequentado a escolinha de Nazaré para aprender o hebraico. Só uma parte bem pequena do Antigo Testamento foi escrita em aramaico. Um único livro do Antigo Testamento, o livro da Sabedoria, e todo o Novo Testamento foram escritos em grego. O grego era a nova língua do comércio que invadiu o mundo daquele tempo, depois das conquistas de Alexandre Magno, no século IV antes de Cristo.
Assim, no tempo de Jesus, o povo da Palestina falava o aramaico em casa, usava o hebraico na leitura da Bíblia, e o grego no comércio e na política. Quando os apóstolos saíram da Palestina para pregar o Evangelho aos outros povos, eles adotaram uma tradução grega do Antigo Testamento, feita no Egito no século III antes de Cristo para os judeus imigrantes que já não entendiam mais o hebraico nem o aramaico.
Esta tradução grega é chamada Septuaginta ou Setenta. Na época em que ela foi feita, a lista (cânon) dos livros sagrados ainda não estava concluída. E assim aconteceu que a lista dos livros desta tradução grega ficou mais comprida do que a lista dos livros da Bíblia hebraica.
É desta diferença entre a Bíblia hebraica da Palestina e a Bíblia grega do Egito, que veio a diferença entre a Bíblia dos protestantes e a Bíblia dos católicos.
Os protestantes preferiram a lista mais curta e mais antiga da Bíblia hebraica, e os católicos, seguindo o exemplo dos apóstolos, ficaram com a lista mais comprida da tradução grega dos Setenta.
Há sete livros a mais na Bíblia dos católicos: Tobias, Judite, Baruc, Eclesiástico, Sabedoria, os dois livros dos Macabeus, além de algumas partes de Daniel e de Ester. São chamados "deuterocanônicos", isto é, são da segunda (deutero) lista (cânon).

Síntese da História do Povo de Israel
Do início até a entrada na Terra de Canaã (ano 1.200 antes de Cristo), as datas abaixo são apenas "aproximativas" e não históricas, pois, na verdade, não se sabe ao certo. São mais "pontos de referência" do que propriamente datas. A partir dos Juízes (1.200 antes de Cristo), as datas são reais. 1850 - Por volta do ano 1850 antes de Cristo, Abraão mudou-se de Ur, na Caldéia, para Haran, que fica entre os rios Tigre e Eufrates.
1800 - Aí pelo ano de 1800, atendendo ao chamado de Deus, Abraão foi morar na Palestina, ou Terra de Canaã, a terra que o Senhor lhe havia prometido.
1700 - Mais ou menos pelo ano 1700, Jacó e seus filhos foram para o Egito, onde já estava José, que tinha sido vendido pelos irmãos. No começo, enquanto José era Vice-Rei do Egito, os israelitas gozavam de liberdade. Mas, depois de 400 anos, o Povo de Deus estava submetido à dura escravidão na terra dos Faraós. Os hebreus amassavam o barro nas olarias do Egito, sem gozar de direito algum no país.
1300 - Aí pelo ano de 1300, por ordem de Deus (Javé), Moisés tira o Povo de Israel da escravidão do Egito. E vai à frente Prometida, que tinha sido o berço do Povo de Israel. Os hebreus peregrinaram pelo deserto durante 40 anos.
1240 - Nessa época. Deus renovou a sua Aliança com os descendentes de Abraão. O Decálogo, que continha a Lei da Aliança, foi entregue a Moisés no Monte Sinai.
1200 - Moisés não chegou a entrar na Terra de Canaã. Morreu quando estava avistando as Montanhas da Terra Prometida. Então, Josué foi quem se pôs à frente do Povo de Israel e, depois de muitas batalhas com povos vizinhos, conseguiu tomar posse da Terra de Canaã, aí pelo ano 1200 antes de Cristo. Esse foi o período em que o Povo de Deus foi governado pelos Juízes. Um período de 75 anos. Samuel foi o último Juiz de Israel. Os Juízes eram líderes que assumiam a defesa de uma ou mais tribos de Israel, quando atacadas por povos vizinhos. Então o Juiz se constituía um governador, com forte autoridade.
1025 - Termina aqui o período dos Juízes. Samuel foi o último Juiz de Israel. Embora muito contra a sua vontade, começa o período dos Reis.
1030 - Tem início o período do Reino. O primeiro Rei de Israel foi Saul, ungido por Samuel. Mas Saul não mereceu a confiança do Povo nem as bênçãos de Deus.
1000 - Para substituir Saul, foi ungido o famoso Rei e profeta Davi. Homem que marcou a história do Reino de Israel com sua grandeza de alma. Foi quem escreveu a maioria dos Salmos da Bíblia. Teve grandes pecados, mas soube pedir perdão publicamente. Por esse tempo deu-se a tomada de Jerusalém.
971 - Nesse tempo Salomão é Sagrado Rei de Israel. Tornou-se célebre pela sua grande sabedoria. Foi ele quem começou a construção do famoso Templo de Jerusalém. Aí o Reino ou Monarquia chegou ao seu ponto máximo.
930 - Deu-se nesse ano a divisão do Reino. Constituiu-se o Reino do Norte (Samaria) e o Reino do Sul (Judá). A capital do Reino do Norte era a cidade de Samaria, e a capital do Reino do Sul era Jerusalém. Essa cisão vai até o ano 722.
746 - Começa o longo período dos profetas. Isaías, o maior deles, começa a profetizar, a denunciar as injustiças e a predizer a vinda do Messias. Isaías e Miquéias profetizam no Reino do Sul. No Reino do Norte profetizam: Elias, Eliseu, Amós e Oséias.
722 - Nesse tempo dá-se a queda da Samaria. Com isso vem fim do Reino do Norte, e começa a haver um só Reino em Israel.
727 - De 727 a 699 reina Ezequias, o rei piedoso. Por esse tempo acaba de ser fundada a cidade de Roma.
641 - De 641 a 611 reina Josias, o rei zeloso da Lei de Deus. Seu nome significa: "Aquele que Deus fortifica". É filho de Acaz.
626 - Nessa época profetizam: Sofonias, Naum, Habacuc, Jeremias e Baruc. Jeremias profetiza a queda de Jerusalém.
587 - Nesse ano dá-se a queda de Jerusalém, predita pelo profeta Jeremias. Milhares de israelitas são deportados para Babilônia. No Exílio profetizam: Ezequiel e Daniel.
538 - Ciro, rei da Pérsia, derrota os babilônios e decreta a volta dos exilados de Israel. O povo hebreu chora ao ver a cidade e o templo destruídos.
520 - Ageu e Zacarias profetizam. Unem o povo, e o templo é reconstruído. Por essa época começa a profetizar também Malaquias.
445 - Neemias reergue os muros de Jerusalém. Houve uma oposição da Samaria para a reconstrução das muralhas de Jerusalém.
398 - O sacerdote Esdras dedica-se à restauração da comunidade dos judeus em Jerusalém. Era também escriba e conseguiu realizar a nova promulgação da Lei.
331 - Começa um breve período de dominação grega. Mas no ano 323, Israel fica sob o domínio dos Egípcios. (Dinastia dos Ptolomeus)
200 - Começa a famosa tradução do Antigo Testamento para o grego, feita pelos 70 sábios de Alexandria.
198 - Os judeus ficam sob o domínio dos sírios (Dinastia dos Selêucidas).
175 - Antíoco IV promove forte perseguição religiosa contra os judeus.
167 - Os irmãos Macabeus oferecem grande resistência.
63 - Esse ano marca a tomada de Jerusalém por Pompeu.
40 - Herodes, o Grande, é feito rei dos judeus, por favor dos romanos. Reina até o ano 4 antes de Cristo.
20 - Nova reconstrução do templo. Nascimento de Jesus, o Messias anunciado pêlos profetas e esperado pelos judeus

Francisco e o estudo acadêmico
Talvez a mais clara e firme intervenção de Francisco sobre os estudos tenha acontecido por ocasião de uma assembléia de cerca de 5 mil frades em Assis (11.6.1223). Entre os frades, muitos deles notáveis por seu saber e grau de instrução, encontrava-se também o cardeal Hugolino, cardeal-referência ou protetor da Ordem e, pouco depois, Papa Gregório IX. Na ocasião, um grupo de frades, ao que tudo indica composto pelos aludidos doutos e por ministros provinciais, dirigiu-se ao cardeal Hugolino, rogando que intercedesse junto a Francisco a fim de que este concordasse em introduzir na Regra de vida elementos das normas de vida de São Bento, de Santo Agostinho, de São Bernardo.
Ouvida a peroração e tomando o cardeal pela mão, Francisco dirigiu-se à multidão de frades reafirmando-lhes redondamente que "o Senhor convidou-me a seguir a vida da humildade e mostrou-me o caminho da simplicidade"; que este mesmo Senhor o queria qual "um novo louco no mundo". É por meio desta sabedoria que Ele nos quer conduzir, afirmava. Contraponto a supraproclamada simplicidade a possíveis pretensões de doutos, arremata: "Pela vossa ciência e sabedoria, Ele vos confundirá". Não é difícil imaginar a reação dos ouvintes(..).

Se, por um lado, como acima foi aludido, assinalamos a prevenção de Francisco em relação aos estudos, por outro, é evidente que esta prevenção não se refere ao estudo propriamente dito, mas sim, à postura dos frades em relação ao mesmo. Na verdade, era o modo como os frades poderiam conceber o estudo que estava diretamente ligado à limpidez, seja da escola de Francisco, ou seja, em última instância, da escola de Jesus Cristo. Por outro lado, embora Francisco "não tivesse tido nenhum estudo", tinha o bom senso do comerciante.
Foi este bom senso que o ajudou a buscar e a reter o essencial. Com efeito, iluminado pela luz eterna e através de assídua leitura, audição e memorização de textos bíblicos, "penetrava os segredos dos mistérios, e, onde ficava fora a ciência dos mestres, entrava seu afeto cheio de amor". Resumindo esta intuição do essencial, dizia Francisco, pelo final da vida, a um frade, que tinha aprendido tanta coisa na Bíblia que já lhe bastava meditar e recordar: já sei que o pobre Cristo foi crucificado. Desejava um conhecimento profundo, vale dizer, "da medula e não da casca, do conteúdo e não do invólucro, não das muitas coisas, mas daquele bem que é o grande, o maior, o estável".
Se Francisco, por um lado, exigia dos literatos, juristas, teólogos, pregadores e doutos em geral que, ao ingressar na Ordem, renunciassem à própria ciência para se apresentarem inteiramente disponíveis ao Crucificado, manifestava, por outro, o maior apreço aos mesmos doutos, bem como a outros sábios. E de se notar que em seus Escritos só apareça uma única vez o termo "teólogo". Mas aparece em sentido positivo: "a todos os teólogos e aos que nos ministram as santíssimas palavras divinas devemos honrar e venerar, como a quem nos ministra espírito e vida".
Finalmente, um texto expressivo para indicar a atitude de Francisco em relação aos estudos: a brevíssima carta, quase bilhete, dirigida a Santo Antônio: "Eu, Frei Francisco, saúdo a Frei Antônio, meu bispo. Gostaria muito que ensinasses aos irmãos a sagrada teologia, contanto que nesse estudo não extingas o espírito da santa oração e da devoção, segundo está escrito na Regra".
Aqui, Francisco manifesta sua satisfação, através da expressão: meu bispo dirigida a Santo Antônio e da outra: placet - me apraz, gosto, me alegro, aprovo. O motivo da satisfação de Francisco estaria no seguinte: em Santo Antônio, teria acontecido a admirável confluência do sábio e do teólogo, do santo e do homem de ciência, do ideal e de sua concatenação às exigências práticas da vida ao estudo, portanto. A cláusula condicionante contanto que está em perfeita sintonia com a ambigüidade ou tentação que Francisco percebia poder esconder-se no estudo ou no saber.
Portanto, do ponto de vista da sabedoria ou do "espírito do Senhor" ou da inspiração de Francisco não se trata de uma cláusula restritiva. Ela coloca, sim, o estudo que se deseja em relação à atitude do estudioso, em relação de servo da sabedoria, em outras palavras, em relação à promoção da vida. A mesma ressalva consta na Regra onde, com respeito ao trabalho (embora não especificado, se braçal ou intelectual), se estabelece a mesma ressalva.
Em suma, em relação à ciência e aos estudos, na função acima lembrada, podemos constatar o seguinte: Francisco os apoiou, seja acolhendo pessoas eruditas na fraternidade, seja acolhendo os serviços que estavam em condições de prestar (elaboração da Regra, funções administrativas da Ordem), seja reverenciando as pessoas doutas, seja alegrando-se pela teologia que Santo Antônio se dispôs ministrar em Bologna.

Não se portou, porém, como um incentivador ingênuo. Expressou prevenção e cautela, compreensíveis a partir da percepção que ele tinha da ambigüidade do uso da ciência e dos estudos. Ambigüidade, não pela ciência ou pelo estudo em si mesmos, mas por aqueles que neles estariam envolvidos.

Como lembramos, o próprio Francisco estudou, no sentido de se ter dedicado, de se ter consagrado durante toda vida a uma busca e a uma fruição do Amor. A própria Sagrada Escritura lhe forneceu os meios para conhecer, admirar e amar a ciência sagrada. Pressentia, porém, o risco que o estudo, que a busca do saber - também bíblico ou teológico-pastoral - poderia acobertar: ser utilizado como um umento de domínio, de orgulho, de poder, de distinção de classes, de discriminação social - poder que se torna cego em relação ao ideal de simplicidade, de pobreza, de fraternidade e que, enfim, o menospreza. Isto significa que Francisco, embora tivesse apreço pelo saber e por seus caminhos, relativizava tanto a um a outro em função da sabedoria do viver.
O fato de relativizar a importância de conhecimentos acadêmicos como instrumento essencial para a evangelização significa questionar a fundo algumas tendências eclesiais do tempo que consideravam a ciência como chave e arma para governar a Igreja, iluminar as inteligêcias e lutar contra os hereges. A postura de Francisco é questionadora e iluminadora ao mesmo tempo, tanto no âmbito secular como religioso, tanto para ontem para hoje.
Talvez hoje em dia se tenha até melhores condições para avaliar tanto os motivos de regozijo como de precaução de Francisco devido à magnitude de situações sociais e ecológicas de risco, frutos, não de um uso sábio do saber, mas do abuso do mesmo. Francisco navegava com liberdade nas águas das mediações: "ia direta, espontânea e vitalmente à realidade".

Portanto, estas alusões parecem demonstrar ou sugerir que Francisco foi um criador de cultura, foi à fonte e trouxe o eternamente novo e antigo. Por isso, descortina horizontes. A Escola Franciscana nele se inspira. Pensa e traduz na cultura de cada tempo e em sistema filosófico-teológico sua inspiração. A ele deve a existência.

Jonas: conversão e missão
Levanta-te e vai à grande cidade
(Jn 1,2)
Quem nunca ouviu falar no profeta Jonas que foi engolido por um grande peixe? Mas seria esse episódio o que há de mais importante nesse livro bíblico? Em que esse fato seria relevante para a fé dos judeus e para fé cristã hoje? As respostas a estas perguntas dependem de um estudo atento do texto bíblico dentro de seu contexto histórico, somente assim é possível descobrir traços que indiquem o perfil de quem o escreveu, a época de seu surgimento e, seus destinatários imediatos. Com esses dados, a mensagem de Jonas semostrará atual para o século XXI.
1. O Autor
Numa leitura superficial do texto bíblico, o leitor contemporâneo pode cometer o equívoco de pensar que o autor desse livro tenha sido um profeta nacionalista de Israel do Norte, chamado Jonas, filho de Amitai, que viveu durante o reinado de Jeroboão II, por volta de 790-750 a.C., mencionado em 2Rs 14,25 e em Jn 1,1. Não é raro encontrar leituras fundamentalistas da Bíblia que tendem a concluir que o autor do livro de Jonas tenha sido aquele profeta do século VIII a.C.
Alguns aspectos do livro de Jonas, contudo, nos levam a concluir que a obra não poderia ter sido escrita no tempo de Jeroboão II, como veremos a seguir. Mas, se o livro não é do século VIII a.C. e se o autor não é o profeta Jonas, por que o texto se inicia com a seguinte indicação: “Veio a palavra do SENHOR a Jonas, filho de Amitai...” (Jn 1,1)? O autor usa um recurso literário chamado de pseudonímia. Ele não está interessado em destacar a autoria do livro, nem em focalizar sua identidade. Isso era muito comum naquela cultura. Os autores dos livros bíblicos geralmente não assinam suas obras porque acreditam que estão apenas representando a fé e a experiência de um povo do qual são membros, ou seja, eles não falam em nome próprio e com seus escritos querem apenas trazer os filhos de Israel de volta para a aliança firmada com Deus.
O autor do livro permanece anônimo e usa como pseudônimo o antigo profeta Jonas, filho de Amitai, porque esse recurso o ajuda a divulgar melhor sua mensagem. Não sabemos quem escreveu o livro de Jonas, mas podemos fazer um perfil de sua personalidade a partir do texto bíblico. É alguém com mente aberta, como diríamos hoje, para ele todas as pessoas são alvos do amor e da misericórdia de Deus. É uma pessoa bem humorada que usa o recurso da ironia para convencer os judeus nacionalistas de sua época da inconsistência da postura exclusivista que considerava apenas o judeu como merecedor do amor de Deus.
2. A época
Para ter uma idéia sobre a época em que esse livro foi escrito, alguns aspectos devem ser considerados. Em primeiro lugar não é possível que seja do século VIII a.C., quando viveu o profeta nacionalista Jonas filho de Amitai, pois o texto hebraico emprega expressões conhecidas só muito tempo depois reinado de Jeroboão II1. Afirmar que o livro de Jonas foi escrito no século VIII a.C. seria algo semelhante a dizer que um dos modernos escritores brasileiros teria vivido no tempo de Dom João VI. O hebraico sofreu modificações ao longo da história, como acontece a qualquer idioma.
Outro aspecto a ser levado em conta é que o livro de Jonas contém expressões em aramaico2,idioma oficial dos judeus durante o domínio persa (538-333 a.C.), mas que não era falado poreles antes do exílio da Babilônia (587-538 a.C.). Portanto, o livro tem que ser posterior ao século VI a.C.
Em Jn 1,9 encontra-se a expressão “Deus dos céus que fez o mar e a terra”. Isso indica um período tardio da teologia de Israel. Em épocas mais antigas era comum falar no Deus libertador, destacando as características de guerreiro, que fez aliança com Israel considerado seu único povo dentre todas as nações.
Esses e outros aspectos levam à conclusão que o livro de Jonas foi escrito após o período de Esdras e Neemias quando a maioria dos judeus, depois de sofrer a dominação de vários impérios estrangeiros, havia desenvolvido forte espírito de exclusivismo e de particularismo e não queria uma aproximação com outros povos e muito menos exercer a vocação missionária de fazer o Deus de Israel ser conhecido e amado pelas demais nações.
Como o livro de Jonas faz parte do bloco dos doze profetas, mencionado em Eclo (Sir) 49,10-12, ele não pode ter sido escrito depois do ano 170 a.C, possível época do surgimento do Eclesiástico. Por isso a maioria dos estudiosos está de acordo que o livro de Jonas data provavelmente do final do século V a.C, ou início do século IV a.C.
3. A obra
O autor do livro de Jonas, unindo o recurso da pseudonímia ao da ironia, escreve um conto edificante que termina com uma lição dada por Deus ao protagonista. O conto edificante é um gênero literário muito conhecido entre os mestres judeus e, nesse caso específico, podemos classificá-lo como um midraxe hagadá, ou seja, uma narrativa que interpreta um texto bíblico à luz de um contexto histórico posterior.
O autor do livro de Jonas, ao ler 2Rs 14,25s quatro séculos depois, se pergunta como o Deus de Israel poderia conceder uma profecia de coisas boas para o Reino do Norte no tempo de Jeroboão II se o povo daquela época era desleal e tinha um rei que persistia em todos os pecados dos seus antecessores. A teologia que estava em voga, no tempo em que 2Rs foi escrito, considerava o relacionamento de Deus com o ser humano regido pela bipolaridade justiça-bênção e injustiça-castigo. Nessa visão mecanicista da vida e das relações se supunha que as ações humanas desencadeariam bemestar geral ou má sorte, conforme agradasse ou desagradasse a Deus. Era pensar comum que o futuro do ser humano dependeria da submissão a essa ordem da qual nem Deus poderia fugir.
Esse tipo de pensamento foi nomeado pelos estudiosos como Teologia da Retribuição, o melhor seria designá-la por ideologia da retribuição. Sendo assim, como é possível que a passagem de 2Rs 14,25s, marcada pelas concepções de retribuição, poderia relatar uma profecia de prosperidade para um reino infiel à aliança com Deus? Se tal era possível ao Reino de Israel não seria possível às demais nações? Então o autor do livro de Jonas pensa em usar aquele profeta nacionalista de quatro séculos atrás para profetizar a misericórdia de Deus aos inimigos que haviam destruído Samaria, capital de Israel, em 722 a.C. Não podemos deixar de perceber a ironia contida aqui: o Jonas histórico (2Rs 14,25) profetiza a prosperidade e a expansão do Reino do Norte e o Jonas personagem do conto edificante tem que profetizar a favor dos habitantes da cidade de Nínive destruidores de Samaria, capital do reino do Norte.
A ironia também está presente no significado do nome do protagonista. Jonas em hebraico é Yonah e significa “pomba”, ave conhecida como símbolo da paz e das boas relações entre Deus e o ser humano, haja vista a pomba com o ramo de oliveira como sinal do fim do dilúvio. O profeta Oséias comparou com uma pomba os deportados de Israel do Norte para a Assíria quando assegurou que Deus os traria de volta apesar da inclinação deles a desviar-se da palavra do Senhor (Os 11,7-11). A palavra Yonah, além disso, deriva da raiz do verbo Yanah que significa chorar, reclamar, lamentar. Então o nosso protagonista Jonas deveria ser sinal de paz, mas se mostra como uma pessoa intransigente que reclama de tudo ao longo da narrativa, com nítida inclinação para a desobediência à
palavra de Deus.
Ao ser questionado sobre sua identidade, Jonas afirma que é hebreu e adora o Deus criador do mar e da terra. A fé no Deus criador traz como consequência o reconhecimento de seu amor por todos os povos. Dessa maneira, Jonas afirmou que a autoridade de seu Deus não está limitada a um território determinado, mas tinha domínio universal. Com isso se vê a ironia da situação de Jonas: crer que Deus domina sobre o mar e a terra e, ao mesmo tempo, está fugindo de sua presença.
Os termos Israel, profeta e profecia não aparecem nem uma vez no livro de Jonas. Isso mostra que não se trata de um de um livro profético. E qual contexto histórico estaria sendo interpretado nesse bem humorado conto? A pista nos é dada no final do livro, na lição que Jonas é forçado a receber: a misericórdia de Deus está sobre todos os povos e sobre toda criatura. Se a maioria das pessoas não sabe disso é porque falta quem lhes anuncie essa boa-notícia. O autor do livro de Jonas viveu em uma época marcada por reformas radicais nacionalistas desde Esdras e Neeemias, basta conferir os capítulos nove e dez do livro de Esdras e a ordem para que os judeus se divorciassem das esposas estrangeiras e expulsassem os filhos nascidos desses casamentos mistos. Veja também Ne 13,23–28.
Ao lado dessa tendência nacionalista exacerbada caminhava uma tendência universalista que considerava o estrangeiro como filho de Deus. Defensores dessa tendência são os textos de Is 40–55 e o livro de Rute, entre outros. O autor do livro de Jonas empresta sua voz à teologia universalista para defender o direito de Deus amar a todos, sem fazer acepção de pessoa. Para criticar a tendência nacionalista o autor faz o personagem Jonas preferir morrer a aceitar o amor de Deus para com os estrangeiros. Na linguagem de hoje diríamos que o livro de Jonas foi escrito para animar os judeus a assumir sua responsabilidade missionária para com as outras nações, nesse sentido, esse escrito é um precursor do mandato missionário do evangelho.
4. Evangelizar é preciso, converter-se é urgente
O livro se inicia como muitos livros proféticos afirmando que a palavra de Deus veio a... (Os 1,1; Jl 1,1; Mq 1,1; Sf 1,1; Ag 1,1; Zc 1,1). Com isso se estabelece um convite ao leitor para se identificar com o protagonista e se tornar um canal para que a palavra de Deus chegue a todos os povos. Lendo o
livro atentamente se chega à conclusão que Deus é diretor do drama, ele está no controle de tudo, está determinado a fazer sua misericórdia chegar aos ninivitas. Ele prepara (em hebraico, manah) um peixe (2,1), uma mamoneira (4,6), um verme (4,7), um vento oriental (4,8). E Jonas não consegue mudar o
roteiro ou projeto divino. Deus começa e termina o livro, a sua palavra é soberana e não volta a ele sem que se torne efetiva e produza o fruto almejado (Is 55, 11).
A missão de Jonas é precisa: tem que anunciar aos habitantes da grande cidade de Nínive que sua iniquidade subiu até Deus. Isso consiste numa parusia conforme se procedia em antigos reinos. O termo grego parusia significava a visita do rei a uma região distante da sede do governo para resolver certos problemas administrativos como o abuso de autoridade dos governantes e a prática da iniquidade por parte destes. O aviso de que o rei está sabendo da iniquidade, dava tempo aos culpados para mudar de conduta como também deixava os oprimidos cheios de esperança que o rei lhes fizesse justiça. Nesse sentido, o que Jonas deve anunciar é a parusia do verdadeiro rei do universo sobre um vassalo, o rei de Nínive. De nenhuma forma se trata de um veredicto definitivo do juiz, mas de um aviso para que haja oportunidade de mudança de atitude por parte dos que estão praticando o erro. Não é uma condenação, mas uma boa-notícia o que Jonas deve anunciar.
O mandato missionário consiste em três imperativos: levanta-te, vai, proclama (Jn 1,2; 3,2). O termo chave é o verbo hebraico qara' que significa proclamar ou gritar. Esse termo aparece sete vezes nesse livro: três vezes se diz qara' (proclama) a Nínive; três vezes se diz qara' (clama) a Deus e uma vez se
afirma qara' (proclama) um jejum. A proclamação do jejum faz a ligação entre proclamar a Nínive e clamar a Deus. O mesmo termo aparece no salmo do capítulo dois (Jn 2,3), mas trata-se de um acréscimo bem posterior.
Apesar de não haver, em nenhuma parte do livro de Jonas, uma palavra vinda de Deus para condenar Nínive, é isto que o missionário anuncia: “Dentro de quarenta dias Nínive será destruída!” (Jn 3,4). Por que o missionário diria isso se a palavra de Deus foi outra (Jn 1,2)? Ora, segundo a ideologia da retribuição, se Deus sabia da iniquidade de Nínive deduzia-se que ele a destruiria como castigo pelos pecados. O termo hebraico haphak significa a total destruição de uma cidade e é usada na Bíblia somente para se referir a Sodoma e a Gomorra (Gn 19,29). Jonas anunciou uma consequência lógica de suas concepções teológicas. Por esse motivo o livro de Jonas chama à conversão, não apenas os ouvintes, mas primeiramente o missionário.
De fato, Jonas é, de todos os personagens desse livro, o que mais precisa de conversão. Ele pode ser definido como o desobediente. Aos três imperativos da missão (levanta-te, vai, proclama, Jn 1,2; 3,2) Jonas age em sentido contrário: desce (1,3), foge (1,3), dorme (1,5). Os estrangeiros, tanto os marinheiros quanto os ninivitas, foram mais religiosos, e até o mar, o peixe, a planta, o verme, o vento oriental, todos submetem-se à vontade de Deus. Jonas, ao contrário, mesmo quando parece ser obediente não o é de fato, pois anuncia a mensagem em apenas um dia, quando se levaria três dias para atravessar a cidade. E proclama um conteúdo diferente daquele que lhe foi indicado.
Apesar de tudo os ninivitas creram em Deus (Jn 3,5), o termo hebraico usado é 'aman, o mesmo usado para descrever a fé de Abraão (Gn 15,6), isso significa que eles depositaram toda a sua confiança em Deus, mesmo tendo recebido uma mensagem de condenação. O que não fariam, então, se tivessem recebido a boa-nova? Também os marinheiros estrangeiros adoraram o Deus de Israel (Jn 1,14-17), apesar de Jonas ter preferido ser lançado ao mar que falar-lhes sobre a misericórdia do Senhor. O grande problema do livro de Jonas, a maior dificuldade é a conversão do missionário e não a dos iníquos e dos idólatras.
A conversão dos ninivitas começou com o povo e depois chegou ao rei, o qual expediu um decreto de penitência geral, incluindo também os animais (Jt 4,9-10) para mostrar que a criação inteira é afetada pelos nossos pecados. A reação do rei de Nínive foi muito distinta do procedimento dos reis de Israel que poucas vezes consideraram a exortação dos profetas. Assim como os marinheiros, o rei confiou na misericórdia de Deus, mesmo sem que Jonas a mencionasse em nenhum momento. E Jonas sabia que Deus é misericordioso, isso faz parte da fé de Israel (Ex 34,6).
Para demonstrar seu arrependimento sincero os ninivitas se uniram, desde os da mais alta classe social até os mais humildes, na busca da misericórdia de Deus. Para mostrar isso empregaram os símbolos da época: fizeram um jejum e vestiram-se de panos de saco (Jn 3,5). Esse costume era empregado em momentos de tristeza (2Sm 3,31; Jr 6,26), de luto (Est 4, 1-3), de arrependimento (Ne 9,1; Jó 42,6) e de humilhação (Dn 9,3-5).
Esses gestos externos eram expressões de uma mudança radical de atitude. Cada um deveria deixar o seu mau caminho (Jn 3,8-10), ou seja, o estilo de vida caracterizado pelo pecado e pela violência. O verbo arrepender-se, em hebraico shuv, significa uma mudança radical, uma volta de 180 graus. Consiste em deixar um estilo de vida fundado na iniquidade por uma vida nova com perspectivas totalmente diferentes.
Mas a resposta de Deus à conversão dos ninivitas desagradou totalmente a Jonas, deixando-o profundamente irritado. Isto o fez revelar o objetivo da tentativa de fuga; não fora por medo da violência dos ninivitas nem por receio do desconhecido, como poderíamos supor. Para surpresa do leitor, Jonas diz que fugiu porque Deus é misericordioso, lento para a cólera e não faria mal a Nínive (Jn 4,2). Jonas não queria ser mensageiro de Deus porque assim evitaria que os ninivitas usufruíssem da misericórdia divina. Mas já que não conseguiu fugir dessa tarefa, agora preferia morrer a ver a salvação daqueles que considerava ímpios.
À revelia disso, o Senhor do céu e da terra ama a totalidade da criação. Essa é uma afirmação revolucionária para a maioria dos judeus contemporâneos do autor do livro de Jonas, pois se o Deus de Israel cuida de todos os seres, povos e nações, qual o lugar de Israel como povo da aliança? Hoje diríamos: qual o privilégio de ser cristão, se Deus ama os ateus, os membros de outras religiões e até mesmo aqueles que maculam sua imagem com o ódio? Isso significa que o povo de Deus deve investir na salvação dos iníquos e não na destruição deles. Os opressores, os violentos, os ímpios conhecerão a misericórdia e a redenção que vem de Deus através dos missionários de boas notícias.
O livro de Jonas termina bruscamente como é próprio desse gênero literário. Com isso permite ao leitor de cada geração fazer uma autocrítica e responder à pergunta do Senhor, confrontando-se com as atitudes de Jonas, dos marinheiros e dos ninivitas. Quem nunca desejou o desaparecimento definitivo do opressor ou do malvado? Quem se sente confortável em saber que “a misericórdia triunfa sobre o julgamento” (Tg 2,13)? O amor e a misericórdia de Deus se estendem a cada pessoa e deseja a conversão de todos.
O final do livro mostra o contraste entre Jonas e Deus: um deseja a morte, o outro, a vida; um quer a destruição, o outro, a salvação. O livro inteiro é uma exortação à conversão e à misericórdia, ambas são indesejáveis a Jonas e ele necessita das duas. O livro desafia o cristão atual, herdeiro da vocação de Israel, a deixar-se corrigir pela Palavra inspirada, santa e perfeita, útil para exortar e para “discernir os propósitos do coração” (Hb 4,12).
Aila Luzia Pinheiro de Andrade

MÊS DA BÍBLIA 2010
“Levanta‐te e vai à grande cidade” (Jn 1,2)
Desde o Vaticano II, a Bíblia ocupou espaço privilegiado na família, nos círculos bíblicos, na catequese, nos grupos de reflexão, nas comunidades eclesiais. O mês de setembro se tornou o mês-referência de um despertar mais atento para o estudo, a vivência e o testemunho da Palavra de Deus.
Este é o 39º ano que a Igreja celebra o Mês da Bíblia. No início somente na Arquidiocese de Belo Horizonte, mas logo em seguida, a proposta foi lançada e aceita por toda a Igreja no Brasil.
A partir daí temos dado uma maior importância e atenção às Sagradas Escrituras através de estudos, cursos, reflexão e oração.
A Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico Catequética, juntamente com o GREBIN (Grupo de Reflexão Bíblica Nacional), dando continuidade à XII Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (2008) que destacou o mandato missionário de todos o cristão como consequência do seu Batismo, está propondo para o mês da Bíblia deste ano de 2010, o estudo e meditação do livro de Jonas com destaque para a evangelização e a missão na cidade.
O Documento de Aparecida, ao tratar do caminho de formação dos discípulos missionários, nos alerta para as muitas formas de nos aproximarmos da Sagrada Escritura, e destaca a Leitura Orante como a maneira privilegiada e à qual todos somos convidados.
Essa leitura orante, bem praticada, conduz ao encontro com Jesus-Mestre (Cf. DAp,n.249). O Documento de Aparecida, ao tratar do caminho de formação dos discípulos missionários, nos alerta para as muitas formas de nos aproximarmos da Sagrada Escritura, e destaca a Leitura Orante como a maneira privilegiada e à qual todos somos convidados.
Essa leitura orante, bem praticada, conduz ao encontro com Jesus-Mestre (Cf. DAp, n.249).
Querido (a) Catequista; caro (a) agente de pastoral; amado cristão (ã)!
Procure em sua comunidade esse material (ou peça às Edições CNBB) e em grupos faça o estudo e experiência do encontro com Jesus através da Sagrada Escritura.

Que Jonas nos ajude a vencer a tentação do comodismo e da fuga dos desafios que a vida e a missão nos apresentam hoje! E que este mês da Bíblia nos desperte para um crescente ecumenismo, uma capacidade cada vez maior de acolher a todas as pessoas sem acepção.

D. Jacinto Bergmann
Bispo da Comissão Episcopal Pastoral para a
Animação Bíblico Catequética

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