Crônica propositalmente lacunar
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM (*) Os franciscanos seculares são leigos que buscam a santidade. Não querem ser cristãos de repetição de gestos e ritos, de orações e ações nem sempre nascidas no fundo do coração. Os que buscam nossas fileiras são pessoas (ou deveriam ser) apaixonadas pelo Evangelho. Esta paixão se traduz na vivência do duplo amor: amar o Senhor e os irmãos. Na vida de todos os dias, na família, na fraternidade franciscana, no trabalho dedicado à implantação do que chamamos de Reino, os franciscanos seculares “impulsionados pelo Espírito a atingir a perfeição da caridade no próprio estado secular, são empenhados pela profissão a viver o Evangelho à maneira de Francisco e mediante esta Regra aprovada pela Igreja” (Regra, n.2). Sempre temos saudades do Evangelho. O Evangelho nos picou e deixou em nós o seu “vírus” (Texto-base do Capítulo, n.4).
1. Os irmãos e as irmãs da Ordem Franciscana Seculares estiveram reunidos de 25 a 27 de março de 2011 para a realização de seu Capítulo Ordinário Intermediário. Todos sabemos como são importantes tanto os Capítulos eletivos quanto os que se prestam para uma avaliação da caminhada. Os que querem progredir precisam rever os passos dados. Não se mede um capítulo apenas por suas decisões ou deliberações por mais solenes e necessárias que possam ser. Há todo um clima que se cria no momento em que irmãos se encontram com irmãos. A Ordem Franciscana Secular é antes de tudo uma Fraternidade composta de uma multiplicidade de grupos de irmãos e irmãs que querem ser santos.2. M. Bortoli, autor italiano, assim define a espiritualidade franciscana: “...é uma forma de vida espiritual alimentada pelo desejo ardente de possuir sempre mais a divina caridade, como resposta de amor ao Deus-amor, por meio de Jesus Cristo, levando uma vida que se conforma a Jesus mediante a observância integral e amorosa do Evangelho” (Manual para a Assistência à OFS e JUFRA , p.77).
3. Estão espalhadas por todo o território nacional: em Curitiba como em Dracena, no interior gaúcho e às margens do Amazonas, fraternidades novas e fortes e outras envelhecidas. Algumas carregando promessas e outras sem esperança. Muitas com assistência espiritual, outras, há anos, sem a presença de assistentes. Umas entusiasmando e entusiasmadas, outras... Eloi Leclerc, no seu Francisco de Assis, O Retorno ao Evangelho lembra que “uma ou duas vezes por ano, todos os frades se reúnem em capítulo. Esses encontros desempenham papel importantíssimo na vida da fraternidade. Os capítulos não são somente um tempo forte durante o qual os irmãos, na alegria do reencontro, se reabastecem na oração e no louvor, mas também ocasião de tomada de consciência comum: todos e cada um se sentem solidários e responsáveis pela vida do grupo e por sua missão no mundo” (p. 60). Tudo que se passa no decorrer de um capítulo deve levar a esse revigoramento da fraternidade e de sua missão no mundo e a assumir a responsabilidade jubilosa de cada um na vida do grupo. “Até agora nada fizemos...”
4. O Capítulo se realizou no bairro da Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, numa casa de religiosas, na Conde de Bomfim diante da comunidade do Borel, pacificada nos últimos tempos. Franciscanos da Paz e do Bem se reunindo perto de um espaço que busca a paz e o bem. A casa das irmãs é cercada de verde e se pode ouvir o cantar da água descendo pelas encostas.
5. As celebrações eucarísticas foram, de alguma forma, exemplares, muito bem preparadas, cantos bonitos, participação de todos, clima de oração. O evento capitular se abriu com a bela solenidade da Anunciação do Senhor. Maria do sim, Maria que acolhe a sombra do Alto. Maria da fidelidade. Os franciscanos seculares, com sua profissão de vida franciscana no século, dizem seu sim e são mães e irmãos do Senhor. Bela foi a celebração sobre Clara com a presença de Irma Terezinha da Gávea. Na missa se deu destaque àquilo que deveria unir clarissas e terceiros: a paixão de Clara pelo Cristo pobre, a contemplação do esposo no espelho, a oração mais silenciosa e apaixonadamente contemplativa, o ajudar os membros cambaleantes da Igreja. A vida franciscana secular não poderá ser marcada por uma oração sem vida, desencarnada, mecânica. Precisamos redescobrir a tensão tipicamente franciscana entre ação e contemplação. Temos todo interesse em nos deixar tocar pelo estilo clariano de viver. No domingo, 27 de março, tivemos a graça de nos encontrar com um dos mais belos e densos textos batismais, catecumenais, quaresmais. A mulher de Samaria foi buscar água no poço e lá encontrou um judeu que, por sua vez, lhe propunha uma outra água: a água do Espírito. Água, batismo, sede, vontade de sair de uma religião pacífica, vontade de cultivar em cada um de nós essa sede que nasce quando somos visitados por Cristo, o sedento de vidas. A equipe de liturgia soube colocar ao lado do altar elementos que nos ajudaram a viver a liturgia: uma água jorrava incessantemente e seu murmúrio foi um doce canto durante a celebração. Muito daquilo que vivemos na liturgia devemos à nossa estimada Griselda Eyng, do Rio, e sua equipe.
6. O tema do Capítulo era Nossa Regra é nossa vida. Os franciscanos seculares têm a graça de ter recebido a Regra paulina, aprovada em 1978. As antigas gerações de terceiros não conseguiram assimilar toda a riqueza do novo documento inspiracional franciscano secular. Uma maravilha literalmente desconhecida. Muitos terceiros foram formados apenas num espírito devocional e não conseguiram ainda compreender o que significa, efetivamente, ser um franciscano secular. A Regra especifica tudo aquilo que é fundamental: leigos tocados por Cristo, desejosos de atingir a perfeição na caridade, vivendo em fraternidade, contemplando a figura de Cristo, do Cristo pobre e servo, leigos em suas famílias, na terra explorada e estragada, no mundo, sequiosos do Cristo, amor que não é amado, desejosos de ser para... A Regra coloca os que a seguem na trilha da santidade nos tempos de hoje. Ela fornece os elementos para que os seculares construam sua identidade. Esse é um desafio.
7. Não é aqui o lugar de evocar as sombras e as luzes que incidem sobre a Ordem Franciscana Secular em nossos dias. Durante o Capítulo ficou claro que não podemos nos contentar com uma vida medíocre e superficial. Precisamos tirar as últimas consequências da profissão que deverá ser levada a sério, como um pacto que nos arranca da mesmice, da rotina, da velhice. Há uma pergunta que precisa sempre ser respondida: Que significado tem para o mundo de hoje os franciscanos, seu carisma, de modo particular a Ordem Franciscana Secular? Muda alguma coisa numa paróquia a existência de um Fraternidade franciscana secular? Para sair da mediocridade será preciso o afervoramento. Este depende de uma tomada de decisão pessoal e comunitária. A Ordem Franciscana Secular é Ordem da Penitência. A cada instante os participantes se diziam: Temos que renovar e afervorar nossas fraternidades. Por aí começa tudo”.
8. A Ordem Franciscana Secular do Brasil está se mobilizando em torno de três preocupações: revitalizar a vida na fraternidade local (reuniões, retiros, experiências de oração, boa qualidade de formação); despertar e aguçar o sair do grupo, o ir pelo mundo, o ser uma fraternidade em estado de missão, aberta, acolhedora que vai ao encontro das pessoas; franciscanos e cristãos queremos ser cuidadores zelosos da criação. Muitos desses temas estão sendo objeto de estudo e de reflexão no país ao longo do triênio. Lembro que o Capítulo Intermediário Geral que se realizará no Brasil terá como tema “Evangelizados para evangelizar”. É hora da evangelização. Ministros, formadores e assistentes não podem dormir. É hora de evangelizar nossas fraternidades em todos os momentos.
9. Questionou-se muito a visita fraterno-pastoral feita pelo regional às fraternidades. Esta será levada mais a sério. Não pode ser corrida, formal, funcional, mentirosa. Os visitadores podem ser “anjos” de Deus ou funcionários de um entidade fria e sem vida. Não se pode jogar as coisas para debaixo do tapete: os irmãos da fraternidade local precisam fazer sérias e sólidas experiências de fé e serão corrigidos carinhosamente pelos visitadores para que a nossa Ordem não seja medíocre, para que não venham a debochar dela dizendo que é um “aglomerado de velhos e velhas que não serve para nada”. Fica claro que a Ordem deverá ser constituída por um laicato maduro e consciente, de casados, solteiros, jovens e menos jovens. Não podem ser pessoas de sacristia, agentes do “conservadorismo”, mas pessoas que vão escrevendo um novo evangelho com sua vigorosa vida cristã. Esta proposta precisa ser feita também aos jovens.
10. Tivemos a alegria de contar com significativa presença de assistentes regionais que enriqueceram o Capítulo. Muitos sentem alegria em acompanhar a Ordem. Alguns são nomeados para as fraternidades locais, mais nunca “vestiram a camisa”. Hoje, mais do que nunca, se espera que os assistentes ajudem os leigos a serem leigos de verdade e não apenas “hóspedes” das sacristias. O Assistente acompanhará as reuniões do conselho, os encontros da fraternidade, os projetos pastorais. Ele haverá de se fazer presente de modo particular no tempo que precede a profissão. Estamos convencidos que se os Assistentes agirem de verdade, sem serem diretores, a Ordem poderá conhecer novo vigor. Por que tantos frades se mostram desmotivados? O trabalhar com terceiros pode ser uma atividade pastoral mais frutuosa do que aquela que fazer funcionar uma paroquia mecanicamente. Sonho com o dia em que os lideres de nossas paróquias sejam franciscanos seculares e não certos “novos cristãos” nascidos de emoções religiosas fugazes e não verdadeiras.
11. Há uma figura emblemática na OFS. Trata-se do professor Paulo Machado da Costa e Silva, terceiro franciscano da fraternidade do Sagrado em Petrópolis. Lembro-me dele como professor de História no Colégio Estadual de Petrópolis, perto do prédio dos Correios. O Professor Paulo Machado já teve muitas responsabilidades no seio da OFS tanto locais, regionais, nacionais como internacionais. Fez parte de comissões que prepararam a Regra e as Constituições da OFS e hoje, a convite do Ministro Nacional da OFS, Antônio Benedito da Silva, faz parte do Conselho Nacional. Trata-se de um gentleman, sempre impecavelmente vestido, cortês, franciscano e intransigente defensor dos valores franciscanos. Ele faz parte do coração de muitos frades e terceiros. Neste Capítulo apresentou duas propostas que foram aprovadas: que seja criada no Conselho Nacional da OFS do Brasil, como seu Departamento permanente, a Comissão Nacional da memória histórica e biográfica da OFS do Brasil e que os 40 anos da unificação da OFS no Brasil, ocorrida em 4 de fevereiro de 1972, sejam comemorados em 2012, em todo o território nacional, para resgatar o significado desse evento histórico e incentivar a vivência do ideal da fraternidade dessa escola de perfeição cristã que é a Ordem Franciscana Secular. Suas propostas foram aprovadas. Sua presença em todas as reuniões é uma bênção. Que Deus o conserve.
12. Num canto da sala havia uma exposição de números da Revista Paz e Bem ao longo dos tempos. Houve mudança de nomes, de formato. Houve tempos em que o Secretariado Nacional com o apoio de Frei Leovigildo Balistieri da Casa Nossa Senhora de Paz de Ipanema, no Rio, publicou uma revista ilustrada (Painel Brasileiro - PB), que tinha o propósito de competir com o Cruzeiro e a Manchete. As revistas ali expostas me trouxeram a história tão bonita dos frades e dos terceiros. E havia uma bela foto de Frei Mateus Hoepers, OFM, tio de Frei Alberto Beckhäuser, que foi um frades que mais se dedicou à Ordem Terceira, ele que, na sua simplicidade, dirigia em Petrópolis e foi se acostumando com o método ver, julgar e agir. Lá estava aquela foto de Frei Mateus a nos acompanhar discretamente durante o Capítulo.
13. Denize Marum, Ministra Regional de São Paulo, minha conhecida desde 1980, fez uma intervenção encarecendo a corresponsabilidade de todos e apoiando o projeto de transformar a Revista Paz e Bem numa publicação que chegue a dar lucro. Lamentou o fato de que muitos irmãos pagam e não a recebem. Esse assunto será resolvido quanto depender de nosso Ministro Nacional.
14. Não posso me privar da alegria de exprimir minha alegria e emoção durante a representação teatral de Chiquinho. Jovens da Baixada Fluminense montaram esta peça sobre Francisco de Assis. Simples, cenários simples, palavras simples, rapazes e moças de uma paróquia na Baixada não franciscana. Peça simples e bonita, agradável, curta, não enjoativa, cheia de brilho. Uma propaganda enorme para Francisco. Que bom seria se todas as paróquias franciscanas não fizessem, de quando em vez, coisa semelhante. Por isso começa nossa animação vocacional. De que adianta uma reunião mensal morosa? Como conseguir novas vocações. Esse tipo de encenação deverá se associar a todos os empenhos de nossa irmã Mara de Porto Feliz. Não se pode dormir no ponto... Depois da encenação houve um jantar com caldo verde e angu à moda do Gomes.... Tudo simples, franciscanamente bonito
15. Que dizer ainda? Vamos continuar. Os conselhos regionais precisam fazer uma reunião quase que extraordinária para conversar sobre todas essas coisas. Nada de conclusões mirabolantes mas um desejo de voltar ao fervor dos começos. Retomar as opções e prioridades de Manaus, melhorar a formação, levar os irmãos à santidade “A Regra da OFS, feita de pedaços da Escritura e de orientações oficiais da Igreja contêm essencialmente o Evangelho. Por isso, no rosto dos franciscanos seculares aparecer traços evangélicos: uma vida pessoal e familiar de singeleza e simplicidade, vida de despojamento sem requintes competitivos e posturas que humilham; pessoas que vivem para servir e servem para viver; verdadeiros irmãos de seus irmãos de dentro e de fora, irmãos não de discursos, mas de fato; gente laboriosa que trabalha sem perder o espírito da santa oração; pessoas que se alimentam cotidianamente da Palavra e da Eucaristia, pessoas que salpicam com a “água” do Evangelho tudo o que tocam ou fazem, ou seja, seu trabalho pastoral, sua missão de pai e de mãe; pessoas que sabem acolher a cruz e que vivem no meio das provações o espírito da perfeita alegria; pessoas que se achegam dos mais simples e mais pobres; gente que não existe para si, mas para que o amor seja amado. Essa é a nossa vida” (Documento do Capítulo, n.8).
Concluindo
Vivendo com os franciscanos seculares aprendi a amá-los. Muitas confidências deles coloco no altar da missa do Pari, às 7h da manhã, missa que conta com a participação de gente de eucaristia diária, de leigos que trabalham no comércio e na indústria do bairro. Naquele momento me lembro muito dos franciscanos seculares. Espero que este Capítulo do Rio, simples mas bonito, desperte um novo entusiasmo em todos. Isso que importa. Somos todos responsáveis. Ninguém pode se omitir.
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III
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