É COM O CORAÇÃO E A MENTE QUE SE ENXERGA BEM
Não creias apenas nos teus olhos corporais. Enxerga-se muito melhor o que não se vê, porque o que se vê é transitório. Com outros olhos vemos o que é eterno. Entretanto se vemos o que os olhos não alcançam, enxergamos com o coração e a mente (Santo Ambrósio)
1. Vivemos nossa vida cristã. Somos cristãos. Caminhamos à luz da fé. Por detrás de tudo o que tocamos com as mãos, escutamos com os ouvidos, enxergamos com os olhos está a presença do mistério amoroso de Deus a nos olhar, a nos perscrutar e a nos convocar. Sabemos, segundo o Pequeno Príncipe, que as coisas mais importantes são invisíveis aos olhos. Realmente só se vê bem com o coração. Um dia desses olhava eu uma criança. Um menino espoleta, que corria de um lado para o outro dentro do ônibus, que gritava, que sorria, que chegava perto das pessoas e fazia tantas perguntas, estas perguntas que somente as crianças sabem fazer. Como é teu nome? Onde tu moras? Como se chama teu pai? Queres uma bala? Tu tens irmãos? Via aquele menino, aquele lourinho de cabelo em forma de crista... Que será dele? O que esse guri já tem como perguntas dentro do coração? Como será seu amanhã? Será que os pais dele vão cuidar apenas que ele cresça, que passe na faculdade, que tenha uma namorada bonita, que ganhe dinheiro? Tive vontade de olhar para esse menino com os olhos do coração e da mente e pensar que ele foi querido por Deus, foi entregue aos cuidados de seus pais e que poderá enfeitar a face da terra, e um dia, ser santo. Quando vemos o que os olhos não alcançam, enxergamos com o coração e a mente.
2. Tudo ia chegando ao fim. O menino de Maria já não era mais um menino. Caminhou resolutamente na direção do lugar da entrega. Despojado de tudo, sem defensores, sem pompa, sem seguranças, entregue aos caprichos de meia dúzia de seres medíocres, ele, coberto de escarros, poeira, sangue, abandono, nu em todos os sentidos foi se entregando, com soluços baixinhos, ao Pai invisível que tudo vê com o coração. Não tendo mais vontade de discutir, de porfiar foi se entregando nas mãos do Pai que vê tudo. E uma paz profunda tomou conta do corpo e coração desse que era a epifania de Deus, a manifestação de Deus na terra dos homens, que era a aproximação mais íntima do coração de Deus com o coração do homem.
3. Terminado o suplício de amor, inclinando a cabeça, aquele que veio se tornar o sentido de nossa vida e do mundo morre. O soldado abre-lhe o peito. Os olhos carnais conseguem enxergar uma fenda. Da fenda um filete de sangue e um filete de água. Mas os olhos da fé vão mais longe muito mais longe. O discípulo se senta diante do Coração dilacerado do Deus feito carne e deixa-se amar. Não coloca óbice para acolher esse amor que jorra, que goteja do lado aberto do Senhor. E os olhos da mente e do coração enxergam maravilhas: quando ele foi levantado, tudo a ele atraiu; ele é o grão de trigo lançado na terra que precisa morrer para dar fruto; ele não hesitou em tomar a condição de servo. Os que olham com o coração e a mente sentem uma atração por essa fenda no peito do Mestre. Não conseguem mais viver sem ter sempre no coração uma vontade de agradecer esse amor que vai até o fim, esse amor que precisa ser amado.
4. Há vários tipos de oração. Os cristãos, desde a sua infância, se afeiçoam às orações vocais aprendidas no colo da mãe e do pai e no regaço da família. Na medida quem vão crescendo e deixando que Deus neles atue não precisam mais de fórmulas e de movimentações dos lábios. Os verdadeiros devotos do Coração de Jesus são pessoas de contemplação. Enxergam com os olhos do interior a fonte do Coração. Os que contemplam o Coração de Jesus se sentem amados por Deus. São levados a uma oração contemplativa. “A contemplação é uma compreensão profunda do fato de que, em nós, a vida e o ser procedem de uma Fonte invisível, transcendente e infinitamente abundante. A contemplação é, antes de tudo a tomada de consciência da realidade dessa Fonte... É o ser tocado por aquele que não tem mãos, mas é a realidade pura e fonte de tudo o que é real. (Thomas Merton).
5. A contemplação do Cristo dilacerado, desse Deus que sofre, nos convida a vê-lo nessa velhinha que não sabe se exprimir ou pedir uma orientação numa repartição pública e fica toda atrapalhada, nesses pobres jovens presas e objeto de traficantes sem alma. O Deus que nos faz ver as suas entranhas na cena do peito aberto é o mesmo que nos puxa pela mão e nos faz samaritanos de tantos jogados à beira da estrada, desses casais vazios e ocos, desses jovens bombados e sarados, mas vazios e tristes, dessa humanidade da superficialidade e da mediocridade Lá no fundo de todos esses Cristo vive e nos mostra o coração dilacerado.. Tomara que nos aprendamos a ver com os olhos do coração e da mente.
Frei Almir
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