Os primeiros anos de formação do franciscano secular
1. Ninguém duvida da importância capital da formação cristã e franciscana em nossas Fraternidades. O tema é complexo e vasto. Estamos convencidos, nesse mundo de profundas transformações, e desejando ser fiéis ao Espírito que nos pede respeito ao passado e inventividade frente ao presente e ao futuro, que a formação precisa ser permanente. Neste texto desejamos apenas fazer algumas considerações a respeito de experiências que parecem importantes no tempo da iniciação e da formação antes da profissão. Na realidade, elas são fundamentais em toda a nossa vida de cristãos e de franciscanos da III e da I Ordem: experimentar Deus, estar junto da dor dos que sofrem e vivenciar a alegria da fraternidade.
2. Vale, neste contexto, lembrar as orientações das CCGG, sobretudo para o tempo de formação que precede à Profissão: “Os candidatos sejam orientados para a leitura e para a meditação das Sagradas Escrituras, para o conhecimento da pessoa e dos escritos de São Francisco e para a espiritualidade franciscana, para o estudo da Regra e das Constituições. Sejam educados no amor à Igreja e na aceitação de seu Magistério. Os leigos exercitem-se a viver numa forma evangélica o compromisso temporal com o mundo” (Art 40, 2). Eis um vasto e belo programa que precisa durar a vida toda. Todas as indicações apontam a formação na linha da busca da santidade e de uma expressiva atuação na Igreja e no mundo.
3. Ao lado desse estudo, como franciscanos, parece importante que sejam realizadas, nesse tempo, três experiências: experiência de Deus, contato com o leproso, experiência do ser irmão ou vivenciar a fraternidade. A formação dos franciscanos seculares não é primordialmente livresca. Necessário, é evidente, que as verdades cristãs e franciscanas sejam levadas até o intelecto e arranquem dele um assentimento. Tudo, no entanto, ficaria incompleto sem as três experiências acima aventadas.
4. Experiência de Deus - O Altíssimo e Onipotente Senhor não pode ser uma mera noção, mas o Fogo que queima, a Bondade que se irradia e o Esposo que busca a Amada. Não se trata apenas de afirmar que Deus existe, que ele é Pai, Filho e Espírito. Será preciso aprender a caminhar na sua Presença e viver sob o seu Olhar. Os cristãos e candidatos à vida franciscana serão levados a fazer fortes e densas experiências de Deus sem apelo a expedientes meramente emotivos. Quanta complexidade no tema! Falamos de uma experiência de Deus. Pode-se falar também numa caminhada com Cristo vivida de forma experimental. Precisamos entender bem a palavra experiência. Não experimentamos Deus como sentimos frio nos pés ou o impacto em nossas vistas de um ipê florido. A experiência de Deus se faz na fé. Ela tem alguns pressupostos: vontade de encontrar o Senhor, limpidez de coração, constante consciência da própria fragilidade, busca do silêncio, iniciação nos salmos, leitura das grandes teofanias do Antigo e do Novo Testamento. Aquele Deus que fala a Moisés, que aparece na brisa suave da caverna de Elias, o amoroso Pai de Jesus é o mesmo que o formando busca e dele precisa fazer uma experiência intensa.
5. Para que esta experiência se produza será de importância capital que os formadores levem os formandos a uma vida de oração que se traduz no exercício da meditação, no hábito de uma participação quase que cotidiana da missa, na vivência de largos momentos de oração pessoal em tardes e dias de recolhimento, em retiros que sejam retiros, na caminhada serena pela natureza que é imagem da beleza de Deus. Insistimos no exercício da presença de Deus, nesse caminhar diante dos olhos daquele que, no dizer do salmo, nos perscruta e nos conhece. De tanto conviver com o Senhor, esse Altíssimo e Bom Senhor, os franciscanos seculares são iniciados na oração (teoria e prática). Os mestres de formação não podem permitir que os formandos professem sem que tenham a certeza de que fizeram e fazem “experiência” de Deus. Os que professam apenas com noções a respeito do Senhor não terão uma feliz caminhada na Fraternidade. “No seguimento de Francisco que descobriu com que amor o Pai nos ama, nunca cessaremos de nos maravilhar desse amor, de acolhê-lo, de viver nele e dar graças por ele. Aprenderemos a discernir em todo ser e em todo acontecimento a presença da bondade do Pai (...). Para Francisco, Deus era o Altíssimo, o Sumo Bem, o Bem Total e a fonte de todos os bens. Desejamos, desta forma, nos voltar para o Senhor na simplicidade e adorá-lo em espírito e verdade, procurando em tudo agradá-lo e fazer sua vontade. Saberemos reservar-lhe o tempo necessário para a oração e reservar momentos para encontrar a Deus” (De antigo propósito de vida da Ordem Franciscana Secular da França).
6. A segunda experiência fundante que deverá ser vivida pelos formandos e pelos professos é a do ir ter com os leprosos - Que significa isto? Francisco diz que sua conversão começou quando acolheu o leproso. Por isso, formadores sábios e experimentados, levam os formandos a visitar e a conviver com pessoas chagadas no corpo ou no espírito. Trata-se de fazer uma experiência concreta da miséria humana, acompanhada da ternura do coração. Francisco diz que foi ter com os leprosos. Em nossas cidades há irmãos vivendo em condições delicadas de vida. Os formandos poderão, regularmente, visitar asilos com pessoas idosas, doentes em hospitais, presos em seus cárceres, drogados, meninos de rua. As ocasiões são muitas para esse contato com o Cristo que sofre nos mais pobres e mais abandonados. Se é verdade que os franciscanos seculares precisam se engajar na transformação da sociedade através de iniciativas corajosas no campo da política e da justiça, não é menos verdade que esse carinho delicado para com a senhora idosa que não recebe visitas, a oração feita junto as grades atrás das quais está uma mãe de família, a dedicação sem nome a um drogado ou a um idoso abandonado são lugares de encontro com o Cristo de Francisco. Felizes os iniciantes que são despertados para esta dimensão! Os irmãos deverão se alegrar quando convivem com os que contam pouco, os que são olhados de cima, os não autossuficientes, em estado de necessidade, os doentes e idosos, os mendigos. Os que se ocupam dos mais abandonados não deveriam poder levá-los para o albergue de sua fraternidade? Esses não poderiam, eventualmente, escutar o apelo para seguir o Evangelho à maneira de Francisco? Não seria buscar vocações lá onde a miséria campeava?
7. Experiência de fraternidade - Os que se apresentam para seguir nosso caminho não entram numa fria instituição com regras e leis, com funcionários e esquemas. Eles são admitidos numa Fraternidade. Por isso, será necessário, nos primeiros anos de formação e sempre, fazer a experiência do querer bem, do ser irmão, do ser irmã. Pode se falar de um desdobramento da fraternidade de escuta da Palavra, fraternidade de oração e partilha de vida. Parece muito oportuno insistir neste último aspecto, ou seja, experimentar o irmão a seu lado. A vida da fraternidade é feita da existência cotidiana dos irmãos: alegrias, preocupações, trabalho de todos os dias, tarefas familiares e profissionais, experiências apostólicas etc. Cada irmão traz tudo isso para diante de seus irmãos. Necessário experimentar o ser irmão. Ninguém fica de lado, os dotes e dons são aproveitados e valorizados, a ausência é sentida. Será que os irmãos fazem esta experiência nas Fraternidades? Os formadores e conselhos com o Ministro são responsáveis em criar esse clima de fraternidade para que seja feita a experiência franciscana fundante.
8. Como concretamente uma fraternidade permite que seus formandos façam a experiência de fraternidade? O amor fraterno se exprime de muitas maneiras: atitude de acolhimento de cada um, atenção calorosa para com todos os membros da fraternidade, sem privilegiar afinidades pessoais, no exercício da escuta de uns pelos outros, cuidando que cada um encontre seu lugar na fraternidade e aí se sinta bem, criando-se um clima de confiança de sorte que todos possam se exprimir e encontrar ajuda que precisa, pessoas doentes e idosas serão cercadas de especiais atenções. Os formandos que conseguem viver com outros irmãos fazem um importante experiência de fraternidade. Ao mesmo tempo, eles se sentem encorajados a criar fraternidade para fora.
9. Transcrevemos algumas linhas do Ministro Geral dos OFM, Frei José R. Carballo, dirigidas aos frades menores. Tais observações, com as devidas adaptações, podem iluminar a formação dos começos da caminhada franciscana secular. O Ministro Geral fala do despertar nos formandos a paixão por Cristo e pela humanidade: “Para despertar e fortificar a paixão pelo Cristo, considero indispensável: formar-nos e formar para a experiência da fé, como raiz, coração e fundamento de nossa vida e missão; formar-nos e formar para a interioridade diante da supervalorização das aparências; ver nos momentos pessoais de solidão e de contemplação uma exigência para o encontro com a própria interioridade, um dom e uma exigência do encontro com o Senhor e com os outros; aprofundar a própria vocação e missão através de familiaridade com a Sagrada Escritura, de forma a poder fundamentar a caminhada pessoal e fraterna – discernimento pessoal e comunitário - sobre palavra de Deus; experimentar a vida sacramental – particularmente o sacramento da eucaristia e da reconciliação – como momentos fortes do encontro com o Senhor, conosco mesmos e com os outros. Para despertar e fortificar a paixão pela humanidade parece-me fundamental: formar e formar-nos para o essencial; formar e formar-nos para a austeridade e minoridade; formar e formar-nos para a cultura do diálogo, da acolhida e da hospitalidade; formar-nos e formar para uma espiritualidade encarnada; fazer opções, não somente experiências temporárias, que nos levem a partilhar a vida do povo, particularmente dos mais pobres, que nos levem a abraçar na caridade os leprosos de nossos dias” (Documento Com lucidez e audácia)
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III
Nenhum comentário:
Postar um comentário